sábado, 30 de julho de 2011

"Love and Louis XIV", Antonia Fraser

O meu interesse sobre a vida amorosa de Louis XIV surgiu ao ler a saga dos Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas, particularmente os volumes Vicomte de Bragelonne e Louise de la Valliére. Sobretudo o último. Louis surge-nos como um rapaz lindíssimo de caracóis loiros, que passou grande parte da infância em condições algo pobres devido às contenções do cardeal Mazarin (que se diz ter sido amante de sua mãe, Ana de Áustria). Após a morte de Mazarin, Louis começa a dar os primeiros passos no caminho para a grandeza até chegar à imagem que hoje temos dele. Mas aquilo de que não nos podemos esquecer é que um rapaz é sempre um rapaz. E todos os rapazes têm o seu primeiro amor. Segundo Dumas, esse primeiro amor "verdadeiro" não é a sua mulher, Marie-Thérèse,, mas Louise de la Valliére, sua aia. No romance, Louise já se encontrava comprometida com o Visconde de Bragelonne, filho de Athos, mas não consegue negar o que sente pelo Rei. Cria-se um triângulo amoroso no qual o pobre Visconde de nada suspeita até apanhar a sua prometida em flagrante. Mas as cenas relativas a Louis e Louise são de uma pureza e beleza tal que não pude conter a curiosidade de descobrir se realmente tinha sido assim. E eis que surgiu Love and Louis XIV, de Antonia Fraser (autora da famosa biografia de Marie Antoinette que deu origem ao filme de Sofia Coppola).





Como o meu principal interesse era Louise de la Valliére, peço desde já desculpa se este texto se focar demasiado nela.

Em primeiro lugar, descobri que o primeiro interesse amoroso de Louis fora ainda nos seus tempos de solteiro: Marie Mancini, sobrinha do cardeal Mazarin (e algum interesse pela irmã desta, Olympe, devido à sua inteligência). Sendo o próprio cardeal contra a união, Louis acabou por se casar com Marie-Thérèse da Áustria, julgo que sua prima. Nos primeiros anos tudo correra bem, com relatórios de uma vida sexual bastante acesa. Contudo, eis que chega à corte Henrietta-Maria, irmã de Charles II de Inglaterra, para se casar com o irmão de Louis, Philippe d'Órleans. Henrietta-Maria era, segundo dizem, uma mulher belíssima e alegre, que atraía naturalmente as atenções para si. Isto não escapou a Louis. Juntos iniciaram um affair sobretudo baseado em galanterias inocentes - o que poderia, contudo, ter consequências desastrosas fosse descoberto. Para evitar a tragédia, o par concebeu um plano para se poder encontrar sem levantar suspeitas: Louis fingir-se-ia interessado por uma das damas de companhia de Henrietta. Isto justificaria quaisquer deslocações aos apartamentos de Henrietta. A rapariga escolhida, alheia a tudo, foi Louise Françoise de la Baume le Blanc de la Vallière, descrita pelos seus contemporâneos como simples, ligeiramente coxa devido a um acidente ocorrido na sua infância (aliás descrito por Dumas), muito loira mas, apesar de tudo, nada desagradável à vista. 

Era uma excelente cavaleira e tinha gosto pela caça, características extremamente propícias a atrair a atenção de Louis. Mas não foi isto que o cativou: foi a sua inocência, o vê-la apaixonada não pela Coroa mas pelo rapaz que ele ainda era. Após muita insistência da parte de Louis (e resistência pela parte de Louise, que era extremamente devota) o par finalmente consumou o seu amor, amor esse que durou bastante tempo e produziu seis filhos, dos quais sobreviveram apenas dois (a rapariga, Marie Anne de Bourbon, tornar-se-ia a favorita de todos os filhos de Louis). Louise foi eventualmente substituída por Athenaïs de Montespan, uma rapariga inteligente e extremamente atraente, com a qual se diz Louis ter vivido a fase mais sexual da sua vida. Consumida pelo desgosto e pelo pecado do seu amor, Louise entrou para um convento.

Fiquei muito satisfeita ao ver que Dumas não exagerara nos sentimentos de Louis por Louise e vice-versa. Um dos meus episódios favoritos aconteceu, de facto. Ainda nos primeiros anos do seu romance, Louise começara a ser vítima das intrigas da corte: Fouquet pretendeu chantageá-la, o que Louis entendeu como um avanço amoroso, mas o que realmente causou a primeira crise entre o casal foi a teimosia de Louise em não revelar ao seu amante nenhum detalhe do caso amoroso entre Henrietta-Maria e o Conde de Guiche. Destroçada, Louise fugiu para um convento. Ao saber disso Louis, interrompendo toda a sua agenda na corte, vestiu um manto para esconder o rosto, montou um cavalo e foi a toda a brida ter com a sua amada. Se isto não é terrivelmente romântico, então não sei. 

Pode-se dizer que foi o crescimento da grandeza de Louis que os separou. Afinal, Louis tornou-se absoluto, o que o distanciava tremendamente da imagem de rapaz que Louise amava. Com o poder, a grandeza, a magnificência, vem tudo: hordes de pessoas dispostas a viver em sótãos esquálidos apenas para estar perto do Rei e, inevitavelmente, mulheres. Todas as mulheres que um homem possa desejar. Neste caso específico, Athenaïs de Montespan também se soube aproveitar um pouco da situação mas, forma geral, penso ter sido isso que aconteceu: a relação com Louise já estava morna, o seu poder aumentou, apareceu alguém atraente e disponível (Athenaïs era casada, mas isso na altura era relativo - embora tenham ocorrido alguns episódios bastante engraçados com o seu marido) e as coisas aconteceram.

Tudo isto está no livro de Antonia Fraser. Tudo isto e muito mais. Desde a relação com a sua mãe, Ana de Áustria, ao primeiro amor por Marie Mancini; desde o primeiro compromisso sério com Louise até ao desenfreio sexual com Montespan, acabando pela paz e calma da sua última relação (e suspeita-se que segundo casamento) com Madame de Maintenon (sarcasticamente apelidada de Madame de Maintenant). Fora das linhas gerais, Antonia Fraser deleita-nos com todas as pequenas intrigas que circulavam na corte da época, incluindo o infame caso dos venenos no qual Athenaïs esteve alegadamente implicada. É uma biografia extensa, claro; mas traz-nos não Louis XIV, o magnânimo, o Rei-Sol mas sim Louis, o homem, e os seus problemas domésticos. O único ponto negativo é a insistência em descrições como se a autora lá estivesse, coisas que é impossível qualquer um de nós saber: que certa pessoa respondeu apressadamente, ou que corou ao fazer vénia. Uma coisa é certa, contudo: tudo o que está documentado, está-o muitíssimo bem feito.  Já aumentei consideravelmente a minha wishlist devido a isso mesmo (incluindo o The Affair of the Poisons, de Anne Somerset, que já deve vir a caminho!). 

Um livro que recomendo com todo o gosto àqueles que se interessam pelas histórias dentro da História (e por uma boa história de amor na vida real).


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